Entrevistando DOUGLAS OLIVEIRA, 33, Belém, PA, idealista do projeto Resenha Literária, fundador da Editora Folheando, escritor & crítico literário
"Eu sou o arquiteto que gosta de literatura, que gosta de falar sobre física, política, economia, etc. Assim surgiu o projeto da Resenha Literária, e a internet está aí para isso, para dar voz ao mundo." ~Douglas Oliveira~
- Sempre morou em Belém? O que mais gosta da sua cidade?
Sim, sempre morei em Belém. O que mais gosto na minha cidade é a hospitalidade e alegria das pessoas.
- O que te motivou a cursar Comunicação Social / Relações Públicas e o que te levou a abandonar o curso? Com o que mais se identificou dentro desta formação acadêmica?
Fiz o curso sem saber direito o que a Comunicação Social tinha para me oferecer. Abandonei o curso por achar que meus professores, não todos, atinham-se a um método de ensino mecanizado, e em um curso, como o de Comunicação Social, nada é mecânico, a comunicação é fluida. Observar o processo de Relações Públicas é algo que não cabe a uma práxis, pois as pessoas mudam e as relações mudam; com isso acabei desestimulado e abandonei a faculdade de comunicação.
- Por que decidiu, então, por cursar Arquitetura e Urbanismo? Algum motivo específico para esta mudança de rumo na sua trajetória acadêmica? Com formação e mestrado nesta área, como foi essa trajetória para você? Chegou a trabalhar na área? O que mudou a partir de então?
Quando garoto, uma tia minha me levava com frequência à Cidade Velha, primeiro bairro de Belém; eu ficava olhando os casarões antigos, os sobrados, a arquitetura colonial portuguesa... tudo me encantava. Gostava de ver o Mercado do Ver-O-Peso, o Forte do Castelo, todas as construções antigas da cidade. Isso motivou-me ao desenho. Eu gostava de desenhar casas, desenhar aquelas casas que eu capturava na memória. A vontade de ser arquiteto só fez crescer. Quando saí de comunicação social, eu fui direto para a faculdade de arquitetura.
A trajetória de arquiteto, como de qualquer outro arquiteto e profissional, é um caminho árduo. Saímos da faculdade achando que todo arquiteto será rico e famoso antes dos 30 anos (risos), eis aí uma lenda urbana. A profissão nos ensina o que na academia não aprendemos: enxergar a vida fora de um computador. Todo arquiteto sonha em fazer um projeto gigante, deixar sua marca para o mundo. Então, nesses anos de profissão descobri que deixar uma marca para o mundo é ajudar as pessoas, principalmente as mais carentes, a repensar o espaço, melhorar o estilo de vida através do projeto arquitetônico, do espaço humanamente planejado. Na faculdade vende-se o sonho pronto, a megalomania projetual; na realidade é grande o arquiteto que consegue sonhar um projeto que caiba no bolso do cliente e o satisfaça sem a necessidade dos luxos.
Continuo trabalhando com projetos, é a minha profissão, amo a arquitetura. O mestrado ajudou-me a enxergar, juntamente com a prática, uma realidade que antes eu não via.
- Você concilia algum trabalho nesta área de formação com a sua vida profissional no ramo da Literatura?
Não.
- Foi durante o curso de Comunicação Social que você optou por trabalhar com Literatura (no mercado literário)? De que forma os estudos neste curso contribuíram para a sua trajetória na Literatura?
Jamais se passou por minha cabeça trabalhar no ramo editorial. No curso de Comunicação eu tinha em mente que queria ser um escritor; na verdade, já o tinha muito antes disso. Mas hoje eu olho para trás e vejo que de alguma maneira as Relações Públicas deram-me um norte para que hoje eu esteja trabalhando no mercado editorial. O trato com as pessoas, os papéis de editor e escritor andam de mãos dadas; e não sobrevive aquele que não se relaciona. É assim, todos os dias, querendo ou não, faço um papel de Relações Públicas com os escritores, com os leitores, com os colegas de trabalho, etc.
- Você sempre gostou de ler e escrever, ou isso foi algo que aflorou em você em um determinado momento da sua vida, em específico?
Aprendi a ler muito cedo. Meu pai me ensinava coisas de História, Politica, Ciências, etc., quando eu tinha ainda meus 4 anos. As pessoas me enchiam de perguntas e eu respondia todas elas (a maioria eu acertava, risos). Isso me levou a estudar e mergulhar no mundo da leitura. Com meus 6/7 anos eu estava lendo os livros de faroeste que meu pai guardava embaixo da cama. Aos 12 anos eu adorava ler a Série Bom Livro, da Editora Ática, assim como a Série Vaga-Lume da mesma editora. E assim fui lendo. Quando cheguei aos 16 anos surgiu em mim o sonho de ser escritor.
- Como foi e está sendo a sua experiência profissional no mercado literário - tanto como autor quanto como editor?
Está sendo uma experiência legal, tudo é novidade. Vender livros não é fácil. Selecionar livros também não é fácil. O que mais chama a atenção para o papel de Editor é a sensibilidade literária; o editor precisa conhecer o mercado, e principalmente, um bom livro. Não só o livro que será vendido, mas o livro que ele, o editor, sabe que contribuirá para o enriquecimento do leitor e da literatura.
Como escritor não tenho muito o que falar, meu livro ainda não foi publicado, está às vésperas de o ser. Poucas pessoas leram o original enquanto ele estava sendo escrito. Se o que elas me falaram foi verdade, então posso dizer que eu estou feliz, pois o objetivo era contar uma história que tocasse o leitor, e isso foi alcançado.
- Acredito que transformar um conto em um romance - à propósito, um romance digno de ser um dos vencedores do Concurso Literário da Fundação Cultural do Pará no ano passado - não deva ser uma tarefa nada fácil. Para você, o que esse conto tem de especial para ter te motivado a transformá-lo em um romance - projeto, este, que levou 1 ano e 8 meses para que você o concluísse. Quais foram as suas maiores dificuldades neste processo de criação? Na sua opinião, o que o fez ser um dos vencedores do concurso? O que os leitores podem esperar da sua obra?
O que me motivou a transformar o conto em romance foi o fato de o conto ter participado de um concurso literário em São Paulo, ter sido bem avaliado, porém não ter ido para a final. A avaliação da banca foi muito boa. Como eu tinha uma ideia de continuidade para o conto, decidi trabalhar na construção de um romance. A maior dificuldade no processo de criação, para mim, foi a ansiedade de finalizar o livro. Como escritor iniciante eu quis terminar o livro em “24h”, pois queria participar do concurso “x”, concurso “y”. Percebi que isso era algo que precisava ser trabalhado, ou eu apresentava um livro que desse para ser lido, ou eu terminava um livro em “24h” e ninguém o leria. Optei por apresentar um livro que fosse possível de ser lido.
O que me fez vencedor do concurso... Acredito que alguns elementos textuais criados e transformados quase que em elementos poéticos (por que não?). Fiz questão de escrever um livro com elementos regionais, mas nada que parecesse forçado. Sou apaixonado pelo Realismo Mágico, e quis trazer alguns elementos desse estilo para o livro. Acredito que isso levou o livro a ser um dos vencedores do concurso.
Os leitores podem esperar uma história sensível que, mesmo com elementos mágicos, retrata a realidade, principalmente a realidade nortista.
- Qual(is) é(são) a(s) sua(s) preferência(s) em termos de gênero literário ao escolher um livro pra ler? Que tipos de enredo mais chamam a sua atenção e mais despertam o seu interesse como leitor?
Como leitor sou fascinado por Conto e Romance, e nesses dois gosto de ler obras do Realismo Mágico. Me apaixona um enredo escrito com uma linguagem poética, que use de neologismo – a língua está em constante transformação. Como leitor recorro à mistura de realidade com ficção, e isso se aplica a qualquer gênero.
- Como escritor, por qual(is) gênero(s) literário(s) tem mais afinidade e gosto para escrever?
Gosto de escrever contos. Romance é algo desafiador. Poesia... essa eu deixo para os profissionais.
- O que uma obra precisa ter essencialmente para ser considerada uma obra de qualidade?
Isso é algo que varia. Mas, no geral, uma obra precisa ter coerência. Existem obras que são incoerentes, o texto não conversa com os personagens; o enredo não diz nada com nada. Não chama a atenção, não traz questionamentos ao leitor, não aponta uma ideia.
- Como nasceu a ideia deste Projeto Resenha Literária, o qual acabou dando origem à fundação da Editora Folheando em 2017? Como funcionava este projeto? Qual era a proposta?
A ideia surgiu da necessidade pessoal de falar sobre literatura. Algumas pessoas são tão imersas em suas áreas que esquecem qualquer outro assunto fora de suas fronteiras. Eu sou o arquiteto que gosta de literatura, que gosta de falar sobre física, política, economia, etc. Assim surgiu o projeto da Resenha Literária, e a internet está aí para isso, para dar voz ao mundo.
Eu entrei em contato com uma editora local, a Paka-Tatu, e me ofereci para ler os livros deles e fazer umas resenhas; a ideia não visava, nem visa, o lucro. Gentilmente, o Sr. Armando Alves, proprietário da Editora Paka-Tatu, cedeu-me os livros e assim fui resenhando.
A proposta era levar um pouco da literatura paraense para as pessoas que não conheciam o que aqui se produzia, e abrir espaço para que os autores locais tivessem seus livros comentados.
- Como fundador da editora Folheando, você teve algum ideal em mente para tornar essa iniciativa em uma realidade? Qual é o seu maior objetivo com a fundação da sua editora? Qual diferencial ela oferece aos escritores, e o que almeja alcançar com este empreendimento?
Como fundador da Editora Folheando, a ideia que tive em mente foi abrir espaço para escritores que, assim como eu, queriam ter sua obra publicada, ou lida, por uma editora. Daí veio a ideia de lançar o Prêmio Folheando de Literatura.
Meu maior objetivo é publicar autores que têm potencial literário, mas não têm espaço no mercado.
O diferencial está na proximidade e no modo que estabelecemos a relação Editora-Escritor. É difícil lidar com gente, isso exige atenção. E uma relação que beneficie as duas partes é algo que busco na relação com os escritores que a Editora lança e lançará.
Com a Editora almejo alcançar uma maior visibilidade para a literatura produzida aqui no Norte. Atrair, a partir de agora, os olhares dos autores que estão por todas as partes do país, e principalmente o autor local.
- Na sua opinião, quais as vantagens um escritor possui ao publicar a sua obra através de uma editora, em vez de publicá-la de forma independente? Quais os fatores que podem influenciar nesta decisão para o autor, especialmente para aquele que está buscando seu espaço no mercado literário? Quais são as principais vantagens de se obter um selo editorial?
Essa vantagem, hoje em dia, vem sendo cada vez mais relativa. Mas pode-se dizer que a grande vantagem está em deixar toda a parte de distribuição com a editora, isso ajuda o autor a se concentrar em outros projetos que ele queira desenvolver. A editora consegue dar ao autor, de forma geral, uma tranquilidade, ela consegue essa capilaridade na distribuição, marketing, royalty, etc.
O que pode influenciar a decisão do autor é o que a editora tem para oferecer-lhe, lembrando que a editora também espera algo do autor.
Quando se obtém um selo editorial você está assegurado(a) de que a sua obra está protegida (isso é fundamental), de que seu livro vai chegar às livrarias, conquista a satisfação em estar presente em eventos literários de que a editora participe, e assim por diante.
- Em relação ao convite que recebestes para dirigir a Revista Aspas Duplas, como imagina que esta experiência poderá contribuir para a sua carreira literária?
Se der tudo certo, acredito que essa experiência me ajudará em questões de leitores, pois a revista abre esse espaço para a voz do escritor. A revista também contribuirá nesse exercício da escrita, da flexão do pensamento, e no diálogo com o público.
- Como fundador de uma editora, (futuro) dirigente de uma revista e autor de contos, crônicas, poemas e romance – o que, de fato, demonstra uma incrível versatilidade em sua capacidade de escrita -, qual é a sua visão/percepção acerca do mercado literário no Brasil, atualmente? Sendo mais específica, deixo aqui mais quatro perguntas. O que você percebe como tendência(s) neste cenário? De que forma a tecnologia digital, especialmente as redes sociais, estão influenciando neste mercado; considerando, aqui, as suas vantagens e desvantagens? Qual é o seu olhar crítico em relação ao público leitor brasileiro / como o enxerga? Por último, dentro desse questionamento, qual(is) a(s) tendência(s) você observa nos novos escritores nacionais?
O mercado literário no Brasil apresenta uma variação de temas. Há quem diga que a boa leitura/literatura morreu; sinceramente, isso é conversa de gente que não consegue ser lido. Como tendência, existem aí as plataformas digitais, que têm lançado no mercado um bom número de escritores com suas fanfics, e baixa qualidade literária – isso preocupa enormemente. Já vi gente usando termo “literatura de entretenimento”. Se a literatura é algo de entretenimento, isso demonstra, de certa forma, que o que se está lendo/escrevendo, é algo que não é feito para pensar. Eis aí um dos pontos chaves da literatura: instigar o pensamento através da crítica. Por outro lado, as redes sociais têm permitido que se criem espaços, nichos, para leitores de determinados estilos; isso é bom porque pluraliza o mercado, não deixando o leitor preso a uma vontade do mercado editorial.
O público leitor brasileiro é plural, temos aí os mais diversos títulos, gêneros e estilos literários sendo lidos por uma leva de gente.
- Para finalizar, qual é o seu maior sonho como escritor e como profissional do mercado literário no Brasil? O que considera positivo e o que acha que pode melhorar?
Meu maior sonho como escritor é ganhar o Jabuti, não sei se consigo, mas quem sabe um dia o sonho se realize. No ramo editorial, meu sonho é fazer com que a Editora Folheando ganhe cada vez mais força e alcance as livrarias espalhadas pelo país.
Considero positivo os concursos literários que têm sido realizados no Brasil. Eles acabam ajudando os escritores que, por sua vez, passam a ter as suas obras avaliadas criticamente e publicadas pelas coletâneas, assim como as editoras que enxergam nesses certames os talentos que estavam escondidos.
Ainda assim, acredito que esses concursos devem melhorar, devem abranger um número maior de gente. Aqui no Norte, por exemplo, não existe premiação suficiente. Temos aí o concurso literário promovido pela Fundação Cultural do Pará, que é aberta a todo o país, e agora o Prêmio Folheando de Literatura, promovido pela Editora Folheando, o qual estamos trabalhando para que o prêmio permaneça por longos anos em atividade. Devido essa escassez, decidimos investir nesse ramo, e estamos trabalhando em uma premiação legal que virá ainda este ano, aguardemos.
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